No dia 1 de Agosto de 2001, já dentro do avião, rememorando os dez livros que metera no caixote da mudança, vi que me tinha esquecido deste. Como estávamos em pleno Equador, não consegui que o lapso me preocupasse por muito tempo, ocupada na respiração preventiva, lenta e até cem, para acalmar o medo de voar. No porão estavam as leituras óbvias de uma menina de classe média criada nos arrabaldes, "levemente intelectual, levemente de esquerda". Eu escolhera os meus dez, ele os dez dele. E isto foi o mais perto que alguma vez estive daquela cena do Kramer VS Kramer, em que a Meryl Streep e o Dustin Hoffman dividem livros. Pouco perto. Portanto, trazia os Cem Anos de Solidão (ainda na edição da capa em tons de amarelo, provavelmente surripiada ao Pai), Os Maias, um do Herberto Helder, um do Pessoa, dois do Saramago e O Amor é Fodido do MEC, para não estar com mais cenas e porque decerto já toparam que não sou lá essas coisas. Também não veio nenhum Paul Auster.
A coisa de trazer os livros revelou-se completamente ridícula quando tive que os declarar na alfândega. Assim: Uma cama de bébé, duas bicicletas, vinte livros e 128 CD´s e tivemos que pagar uma taxa qualquer de importação, sobre este valiosíssimo material. O que é certo é que não tinha trazido (ainda hoje não o tenho aqui) o digamos, singelo livro da minha vida. Olha lá o que a gaiata (Olá Vasco Barreto, raízes alentejanas) foi dizer. Menos, menos. Mas é a verdade e o calhamaço azul tinha vindo cair nas minhas mãos em 1988. Dezoito aninhos. O livro do gajo dos óculos redondinhos, que enrolava a língua enquanto falava, que escrevia aquela coluna no Expresso, recortada, sublinhada, adorada, que ia ao Plateau, estacionava o carocha preto em lugar proíbido da Av. de Roma e comprava metade da livraria Barata. Eu sei porque lhe aviava a conta, tentando a todo o custo parecer mais gira do que uma menina dos arrabaldes. Nunca me enganei no troco. E de coração partido, lá ia enfrentar, no fim do dia, o aterrorizador Sr. Barata, contando o tostão por tostão do caixa.
Não gosto de nenhum livro, como do A Causa Das Coisas. Gosto de muitos outros livros. Mas de uma forma claríssima o Miguel Esteves Cardoso mostrou-me ali, que a escrita era uma outra coisa. Ninguém escrevia assim. Portugal não era assim. Eu não era assim e até comprei um livro do Samuel Beckett. Que, felizmente, não mudou nada em mim.