Um blog da diáspora blasée


10.5.08

Não se escreve o que se quer, mas o que aparece

Pedaço da entrevista de Gerson Camarotti a Miguel Sousa Tavares (esforço de edição já que a entrevista é grande e toda ela bastante boa), publicada hoje no suplemento Prosa & Verso (primeira página) de O Globo sob o título O livro é um manifesto acerca da liberdade.



Em Portugal, algumas críticas chegaram a apontar incompatibilidades entre a História e o romance. Você receia que isso se repita no Brasil?

MST: Não, não houve algumas críticas. Houve uma, apenas, e de um fulano que, além de se mover por razões pessoais, julga-se dono da história e ninguém mais se pode ocupar dum período que vai do final do século XIX até à primeira metade do século XX, porque ele acha que é um território seu. É um historiador-funcionário público e detesta, como todos os historiadores, que os romancistas se atrevam a invadir os seus domínios.(...)


Em "Equador" há uma cena amorosa entre uma inglesa branca e um nativo negro de S. Tomé e Príncipe. Em "Rio das Flores", o personagem Diogo se apaixona pela negra Benedita. A miscigenação que produziu o povo e a cultura brasileiros tem uma de suas bases no relacionamento sexual entre portugueses e escravos, como apontou Gilberto Freyre. O novo livro reforça esta visão sociológica?


MST: Não, não. Não há nada sociológico nem tese alguma oculta. É uma coisa pessoal e sexual: as negras atraem-me. Sempre me atraíram. Parece que é um cromossoma lusitano. E o Senhor disse: os portugueses serão, entre todos os colonizadores de África, os únicos que se misturarão com as mulheres locais. E eu percebo muito bem as razões dos meus avozinhos.


Hoje existe diálogo entre a literatura feita em Portugal e em países africanos de língua portuguesa, como Angola e Moçambique, com a literatura feita no Brasil?


MST: Deixe-me tentar explicar melhor, e acredite que não há aqui arrogância alguma: eu não frequento meios, nem tertúlias, nem conferências literárias. No princípio, por causa das edições estrangeiras de "Equador", andei por aí, nas feiras literárias mais badaladas e achei insuportável. Tirando a Festa de Paraty, que é uma coisa muito especial e uma terra onde vou fora de época com um imenso prazer, acho intragável o ambiente entre as vedetas literárias das feiras internacionais, os seus agentes, os seus editores e os seus jornalistas privados.(...)


Você pretende continuar escrevendo romances históricos?


MST: (...) Se tivesse que escolher já, diria que não: que não tenho saudades de gastar três anos da minha vida a pesquisar e escrever um livro, dia após dia, cortado do mundo e da vida normal. Escolheria escrever com menos sofrimento e mais prazer. Mas nunca se sabe: não se escreve o que se quer, mas o que aparece.


Rio Das Flores, Ed. Companhia das Letras, é lançado dia 26, na Livraria da Travessa, em Ipanema.