Um blog da diáspora blasée


22.8.08

A escola romena

EU CORRO NUMA ESPÉCIE DE JOGOS OLÍMPICOS PRIVADOS. Ainda não ouvi ninguém falar da importância dos treinadores, nesta merda. Eu, sem o meu, ia continuar a correr para aquecer. Com ele sou tratada à bruta sempre que choro, que digo que não sou capaz, que não vou conseguir. É uma espécie de não podes viver com ele, nem sem ele. Acontece que eu deixei de querer continuar a correr para aquecer e por isso ando a pão e àgua neste sadismo que tem sido virar-me do avesso a ver se sai alguma coisinha.
O meu treinador rabia-me e eu não me importo nada porque sei que a minha carne é fraca e o espírito vão e sem fome, pra fazer um samba é preciso mais que pretensão.
Corrige-me, vira-me as costas, olha para o que estás a fazer e fica sem paciência quando debito alarvidades maiores que as habituais.
Está sempre a pôr-me no meu lugar. Nunca me amparou o choro em momentos de desalento – que os há – nem nunca me fez festinhas na cabeça.
O meu treinador sabe que os ingredientes para o sucesso são outros que não a compreensão suavezinha ou a emoção luso-brasileira.
Também faz muito bem quando consegue transformar todas as minhas fragilidades em força. O meu treinador deve ter aprendido com os romenos, na altura da Nadia Comaneci. Imagino, mas nunca lhe perguntei, nem vou perguntar que com ele trabalho é trabalho, conhaque é conhaque e não iria tolerar tal intimidade a uma atleta.
Ele abstem-se de falar a maioria das vezes para disfarçar alguma doçura que começou a ousar após a Queda do Muro de Berlim e também porque está sempre muito mais atento às nossas performances do que aos mistérios da linguagem, mas para ele somos animais fáceis de treinar. Uma vez, estando eu fazendo tempos abaixo do exigido para os Jogos, sentou-se à minha frente com uma garrafa de isotónico de açaí, lembro-me como se fosse hoje e disse-me assim, Menina a receita encontra-se por aí num ou dois livrinhos. Eu respondi, Mas treinador, eu não li esses livrinhos e ele replicou, com uma imensa generosidade e uma mal disfarçada irritação na voz, Não entendes? É trabalho, porrada, trabalho, porrada, trabalho, porrada. Ah e raiva. Raiva, menina. Que não se ganham medalhas sem raiva.