Um blog da diáspora blasée


2.9.08

Achamento

NÃO SEI COMO VOU VIVER. Ontem entreguei o carro, o celular, os cartões de crédito e demiti-me do banco. Tirei as fotos da secretária e trouxe o termos barato que a minha mulher prontamente me ofereceu quando lhe disse que precisava ter café fresco para não adormecer com as minudências do meio da manhã.
A minha mulher é feia. Fotografo-a sempre a olhar para baixo. Mulheres feias ficam melhor se fotografadas assim. Eu sei e é o que faço.
Estou um bocado cansado, houve um tempo em que ainda tratei dos dentes e achei muitas coisas, mas afinal não tenho jeito para estar sozinho. E gosto dela. Faz sopa – homens e crianças devem comer sopa a todas as refeições – além disso considero-a expert em receitas de porco preto.
Na vida, quando se acha alguém assim, vai-se ficando.
O meu chefe era um canalha certinho. Um puxa saco. Um lambe botas de família perfeita, uma filhinha e uma mulherzinha, que por certo também faz sopa. O banco lhe concedeu um leasing improvável e comprou um BMW ainda antes de fazer 35 anos. No meu tempo ninguém tinha BMW´s antes dos cinqüenta. Mas no meu tempo ninguém tinha BMW´s, só o presidente, para deslocações oficiais.
A mulher do diretorzinho é bem feita, mas tem dentes maus. Ainda liga duas vezes por dia. Ele devia pagar-lhe um tratamento dentário. E proibi-la de ligar tanto. O banco dá facilidade no pagamento. Farta-se de trabalhar. É o primeiro a entrar e o último a sair.
Para se ser chefe, horários são importantes. Nada mais é importante. Odeio caras cumpridores para quem a vida não vale nada. Por isso vim embora. De qualquer jeito iam acabar por arranjar um motivo, e me mandar embora. Ninguém gostava de mim no banco. Nem nos outros lugares onde trabalhei. Sou bom demais, bem parecido demais, bem nascido demais. Pessoas bem nascidas são execradas nos empregos. Todos os empregos são lugares de loucos ambiciosos.
Se pudesse não chateava ninguém, a não ser a minha mulher e mesmo assim só quando ela faz aquela sopa de nabiça, que eu não gosto. Mas infelizmente preciso trabalhar. Vera diz que tenho uma péssima relação com o dinheiro. Gasto todo. Não poupo para alguma eventualidade. Um câncer, por exemplo. E o meu deve estar a chegar. Não sei como vou viver.