Um blog da diáspora blasée


16.10.08

Y.M.C.A.

Há uns anos atrás um amigo meu ficou muito tempo apaixonado por uma mulher que conhecera do nada e que já vinha com um copo na mão, numa festa onde também estariam presentes a mulher dele e o marido dela. Ambos (amigo e caso) teriam baixado a guarda e deixaram que a loucura os visitasse por algumas horas. Mais ou menos o tempo em que decorreu o cocktail, mas enfim. Então como duas crianças acabaram saindo dali achando que o facto de terem, quase às escondidas e de forma completamente atropelada - ele afirma que ela tremeu ao escrever o nro. dele - anotado os telefones um do outro, não anunciava nenhuma desgraça. Desculpem o paternalismo com que conto a história, mas é que nem tocaria nela, de tão açucarada e efe-ó-dê-i-dê-á, não fosse pelo final que me interessou, porque me restituiu o amigo com uma simples melodia, dos horriveis abismos da paixão.
Claro que a coisa foi uma desgraça, um amontoado de delírios juvenis, e diz ele - hoje - que da parte dela uma cabal demonstração da infantilidade de certas mulheres, ao que eu, nas habituais conversas sobre o assunto, acrescento quase sempre muito nojentinha e enciumada, Parece que não sabes que todas as escritorazinhas são umas criançolas imbecis. Mesmo as que nada acrescentam à literatura, como era o caso do teu caso.
Os amigos permitem-se estas coisas e lá fomos aguentando a situação dele à custa de muito Skype, (ele ainda mora em Nova Iorque) e diga-se, boa vontade minha e da minha entidade patronal.
Em frente e a saber, ela tornou-se mesmo uma escritora, foi viver com o marido para uma quintarola na Inglaterra e vende que se farta exatamente porque escreve sobre, deixem-me ser ainda mais nojenta (o meu amigo não lê blogs) a alma feminina.
O meu amigo acabou por conseguir fazer o luto, mas ficou uns dois anos sem poder ler suplementos literários de qualquer espécie, (o que lhe fez um bem danado), falando mal da globalização e da democratização da leitura e da internet, não fosse ela aparecer ordenhando vacas, ao lado do maridinho, na quintarola perto de Londres.
Até que felizmente, em Abril deste ano, tivemos a seguinte conversa. Passo a contar, saltando por cima dos olás e de efabulações sobre a boniteza do Barack Obama:
Ele
Ela apareceu-me hoje de manhã.
Eu
Tás a gozar? Ela está aí?
Ele
Não parva. Ela apareceu na net.
Eu
Eu achava que ainda não lias suplementos literários.
Ele
Foda-se.
Eu
Mas estás bem?
Ele
Estou.
Eu
Gostaste de ver a fantasminha.
Ele
Prefiro não ver.
Eu
Sentiste o quê?
Ele
Que nunca tinha dormido com ela.
Eu
Zerámos, então.
Ele
Quase. Consegui achar que estava mais gorda.
Eu
E dizia disparates?
Ele
Sim. Contratou uma Mãe de Santo que estava ilegal em Londres e não dá um passo sem lhe perguntar.
Eu
Tiveste vergonha.
Ele
Não. Já não.
Eu
Sempre te disse que ela não era para ti.
Ele
Eu sei. Uma vez numa festa, dançou o Y.M.C.A. com o marido, com aquela coreografia de enrolar as mãozinhas e tudo.
Eu
Vou aí em Dezembro.