Um blog da diáspora blasée


30.4.08

Repulsa

Uma vez o meu director mandou-me entrevistar o Sérgio Godinho. Eu era muito nova para entrevistar quem quer que fosse, sabia-o e senti-me imediatamente incapaz. Apesar disso mostrei-me muito contente. Normalmente essas coisas, nos jornais, só se pedem aos mais tarimbados, ninguém naquela redacção devia ter querido ir (já saberiam?). Na verdade porque não era bem uma entrevista, era para acompanhar e falar sobre a gravação de um vídeo, coisas engraçadas, como tinha corrido, como ele se movia no set, etc, mas supostamente o trabalho teria que vir com alguma declaração do autor-cantor.Lá fui. Para piorar era no Chapitô, burgo daquela senhora que não sei se ainda é palhaça, mas que na altura era e aparecia sempre a falar em subsídios para a sua escola de circo e me enervava muito. Eu era nova, já disse e julgava muito as pessoas. Odiava-a com aquela cara e aquela voz de pedante falida que sabia mais das coisas que toda a gente. Quando lá cheguei olhou-me e disse logo com os olhos, Olha a fedelha que me mandaram para aqui. Infelizmente eu ainda não sabia que a maioria das pessoas estava longe de ser essa coca-cola toda e o olhar dela empurrou-me imediatamente para escanteio, que é a palavra brasileira que significa canto.
Mas não era a palhaça que interessava era o SG, não desisti. Lá fiquei a ver montar o set de filmagens, as câmaras os maquiadores, os alunos da irritante escola de circo - tenho uma cena em relação ao circo e ao teatro, uma privação qualquer - e o Sérgio Godinho. O ídolo do João. O que ouvíamos tardes inteiras e admirávamos com um amor incondicional porque adolescente, o que nos ouvia as conversas e sabia dos segredos. Ali, na minha frente tão vaidoso, tão vaidoso, tão vaidoso, que não tive vontade de perguntar-lhe nada. Brochei. Devo ter dito dezenas de vezes a mim mesma, Vá, vai lá agora. Vá vai lá, sem nunca ter conseguido mexer-me do lugar onde estava. Num desencanto e num descrédito absoluto. Acho que até o próprio estranhou não ter sido entrevistado, vim a saber depois, o que só corroborou a tese do egotismo dele.
Inventei um novo tipo de reportagem ao director; que tinha sido uma manobra diversiva, sei lá e ainda hoje não lhe perdôo. Porque nunca mais lhe consegui ouvir um disco.
(Acho que nunca te contei isto.)