SAÍ DO CARRO E CAMINHEI EM DIRECÇÃO À ESQUINA com a Vieira Souto onde havia um Orelhão. Fingi que estava a falar e observei a rua e o prédio. Sabia que ele morava na cobertura. Um prédio lindo, com aquelas varandas enormes tão típicas dos edifícios da orla. Fiquei uns dez minutos olhando até aparecer um porteiro qualquer querendo fazer uma ligação. Afastei-me do Orelhão, encostei-me à grade do prédio próximo e fingi que estava à espera que ele acabasse, para voltar ao telefone. Ele despachou-se rápido na ligação à filha e quando já se ia embora sorri e perguntei-lhe, o mais candidamente possível, se o músico não morava naquele prédio ali. Olhou-me meio jocoso. Por certo muito fã lhe perguntava o mesmo, fazendo dele um homem finalmente importante e respondeu-me que sim. Seu João morava mesmo ali, mas nunca saía para passear, sequer tomar um cafezinho no bairro. Vi-o inflar e esperar pelo meu desencanto, que não veio. Disso eu já sabia. Era apenas o seu momento de síndico, do qual eu não estava a fim de participar. A merda dos pequenos poderes. Armei-me em madame, dei um tchau e bati com a porta do carro importado na sua cara de babaca. O parvalhão não me largava interessado em saber mais detalhes sobre as minhas intenções. Porteiro metidinho, esse.
Voltei a casa. Preparei um queijo quente e bebi um suco de laranja com cenoura quase fora da validade, que tinha comprado para o Gustavo e que ele não tinha bebido por causa das crises de úlcera. Depois tomei um duche gelado e deitei-me, sem me secar, em cima da cama King Size contente de tanta e recente solidão e fiz uma lista de ações que me permitiriam encontrar o gênio baiano.
Pela janela aberta do quarto ouvia o mar do Leblon e também as cigarras afogueadas de tanto calor. Procurei sentir o cheiro inigualável a Dama da Noite que costuma espalhar-se pelas ruas do Rio nas noites quentes de Verão e caí num sono profundo. Deep, deep, deep waters...